segunda-feira, março 02, 2015

Reflexões sobre a Lei da Palmada

                 A aprovação da Lei da Palmada gerou muita insatisfação no seio de grande parte da sociedade brasileira que questionou a competência das autoridades constituídas se intrometerem em um assunto que quase todo mundo entende ser atribuição sagrada de cada família. Eu tenho pensando bastante nessa questão, como mãe de família e como cidadã.
            A bomba caiu no colo da presidente Dilma Rousseff, pois, por falta de informações corretas da imprensa, ficou subentendido que isso foi invenção do governo dela. Mas, não foi. Aliás, trata-se de uma discussão que vem de longa data, que nem é de autoria de nenhum brasileiro que se preocupe com esse tema tão importante e recorrente.
            A criação de uma lei para proteger crianças e adolescentes de castigos físicos foi acordada entre o Brasil e a Organização das Nações Unidas (ONU), em virtude da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada em 20 de novembro de 1989 pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Portanto, nada menos do que vinte e um anos da presidente Dilma ocupar o Palácio do Planalto. Isso pouca gente sabe, porque foi pouco divulgado.
            Em 2010 foi apresentado o Projeto de Lei nº 7.672/2010, quando Lula estava no final de seu segundo mandato. Decorridos quatro anos, o projeto transformou-se na Lei nº 13.010/2014, depois de sancionada no dia 26 de junho daquele ano. A nova lei acrescentou três artigos ao Estatuto da Criança e do Adolescente, visando a abarcar a proteção integral da criança e do adolescente.
            Algumas reflexões deveriam ter sido feitas, antes, mas, não foram. O próprio ECA tem sido motivo de muitos questionamentos, sendo considerado pelos seus defensores como um dos instrumentos legais mais avançados do mundo, enquanto que os contrários alegam que ele serve para albergar delinquentes infanto-juvenis que são tratados como infratores, seja qual for o crime que tiverem cometido.
            Um dos problemas que eu enxergo, não exclusivamente nessa lei, mas, em tantas outras que não são cumpridas é que este é um país de dezenas e dezenas de leis bem elaboradas, que se executadas como deveriam ser, nos transformariam em uma pátria exemplar para o mundo inteiro. Somos o país das leis ideais.
Como diz o desembargador Pedro Valls Feu Rosa, do Espírito Santo, “as leis viraram remédio para todos os males. Se os índices de criminalidade aumentam, parte-se imediatamente para a confecção de novas leis. Há muitos acidentes de trânsito? Nem se discute acerca da qualidade das estradas – o negócio é criar alguma lei nova para resolver o problema. Já tivemos até leis declarando extinta a pobreza”!
Em sã consciência, nenhuma pessoa de bom senso pode acha que a Lei Maria da Penha não foi uma boa iniciativa para combater a violência contra a mulher, de modo especial a violência doméstica. Seu resultado mais visível é trazer à luz essa realidade que era muito mascarada, pois muitas mulheres criaram coragem e passaram a denunciar seus companheiros. Mas, infelizmente, o problema continua, porque não se resolve apenas com a adoção de uma nova lei, mas, com uma mudança radical no comportamento da sociedade a esse respeito.
A Lei da Palmada, sozinha, também não vai resolver o problema da violência contra crianças e adolescentes, seja no lar de cada uma delas, onde o problema é mais acentuado, ou onde quer que seja. Vivemos em uma sociedade na qual os pais, por séculos tem infligido castigos físicos aos filhos, com maior ou menor dose de violência. Passa por uma questão cultural. Isso tem que mudar a partir de cada um.

Não vai ser uma lei, mais uma lei em um Brasil que tem mais de 180 mil leis, que vai resolver o problema da violência contra crianças e adolescentes em seus lares. Isso depende de sairmos da nossa zona de conforto, fazendo de conta que não é com a gente, quando vemos nosso vizinho espancando um filho. Sem atitude não vamos mudar nada, nem pela força da lei, pois como muito se fala, este é o país das leis que pegam, e das que não pegam. E pelo jeito, essa Lei da Palmada vai entrar no rol das que não pegam.

Marilene Parente

Artigo publicado na edição 195 do Jornal do Comércio, que está circulando desde quarta-feira passada

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